terça-feira, 30 de março de 2010

Clarisse em P&B


Menina, o que tu vês? No claro escuro da câmera, eu sei e percebo teu laço de fita e tuas pequenas flores amarelas que o P&B esconde. Tuas mãos enlaçadas, teu descanso, abandono do pensamento que dança e ninguém nem sabe. Teu cabelo de nuvem, Clarisse menina Maria, tuas sandálias que não vemos aqui, nos teus pés de bailarina desajeitada que ri e inventa um passo qualquer pelo chão. Se ris ou choras, não vejo, mas sei. Olhas o nada e desenhas imaginações com o dedo mínimo solto no ar. O muro verde, o cheiro da vilinha, os ares de pinheiros, tudo banhado de luz num dia de novembro quando-comemoramos-um-ano-em-viva-válvula.

Psiu! Silêncio! Não digam nada! Calem o pensamento. A hora é só de ver Clarisse que disse o que não disse e só de ficar olhando pra ela o mundo fala e a gente cala a alma pra ver a menina na soleira da porta com seu vestido e seu laço de fita. Menina que roda no parado do dia, que gira a saia no quieto da sala, que dança no calado da tarde.

Ah, menina, minha, que o dia é pouco e a tarde é outra no dia de lembrar dos dias de vilas e pinheiros altos a nos ver passar. O meio do caminho entre o terraço e a sala da casinha agora é palco de outras meninas e outros passos e outras manhãs e tardes de festas ou silêncios. Enquanto aqui para sempre estás, nem cresces nem sais do lugar.
És paisagem dos meus olhos, dos olhos de quem olhar.

Ah, Clarisse, que a voz é pouca e o verso é mudo ao te ver parada sentada como quem pede a senha a quem precisar passar. Não que eu não passo, não vou. Não quero senha, bilhete, ingresso. Quero só que o mundo pare, estacione e encaixe as rodas na vaga desta janela onde estou. E daqui de longe, do outro lado do mapa, dá pra sentir o cheiro do teu cabelo que o vento varre espalhando pó de flor na cara de quem vê.

Sem relógio, sem tique-taque, sem passatempo, sem dia-hora-semana-minuto, só essa brisa breve desenhando um jardim imenso pelo mundo, com flores amarelindas em verde campo cada vez que alguém abrir essa janela que é da ilha e é de lugar nenhum.

Chuva nos olhos molha o sol no peito. Os dias são todos teus, menina dos meus olhos. Que a vida seja toda cor como na luz desse instantâneo em P&B.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

nós, os de alma tatuada & um dia qualquer na casa de doc





cb tá indo pra sampa no fim de semana. fica uns sete dias por lá. e eu fico por aqui tocando o barco, mas claro que com uma vontade imensa de ir junto matar tanta saudade da pauliceia. nos últimos dias antes da mudança, pensei muito sobre saudade. e cheguei à conclusão de que depois de sair de casa e adotar uma nova cidade as pessoas têm a alma carimbada com uma tatuagem que laser nenhum consegue apagar. estamos, portanto,  condenados a sentir saudade. é possível perceber um leve pendor do ombro esquerdo das pessoas de alma tatuada...

e ter saudade de são paulo é mais que desejar passear no ibirapuera ou no villa-lobos, abrir o guia da folha e fazer uma agenda de dezenas de programas impossíveis de cumprir - mas que nos fazia tão bem saber que estavam ali, à mão... a fartura de shows, filmes, programinhas infantis, exposições...

é mais do que querer caminhar pela paulista (a pé é melhor do que de carro!), de comprar flores do campo baratinhas e lindas na feira - e, claro!, comer pastel!

é mais do que fechar os olhos e ver a nossa casinha da vila, de bonecas, de amigos e de festa, de aconchego e tantos dias azuis...

agorinha mesmo, após ver umas fotos que estavam guardadas, quase esquecidas, vemos que ter saudade de são paulo é sobretudo querer muito abraçar os amigos amados que ganhamos lá. e que não são poucos. hoje foi o dia de lembrar um deles e também da mágica de sua casa, cheia de cores e de instrumentos musicais, dezenas de pequenas lembranças de lugares e de pessoas, paredes forradas de ícones e o velho marley a nos olhar sob a fumaça... uma casa com cheiro de incenso e uma paz imensa estampada na cara de anjo de Roni, o cachorro que nos olha nos olhos e fala à alma...

vendo as fotos lembramos de um dia qualquer na casa de doc, o nosso querido otávio, em que ele fez fotos de família, nós 4 no sofá fazendo poses pra sua câmera. lembro que foi um dia qualquer de janeiro de 2009 em que provavelmente passamos - antes ou depois - na doceria brigadeiro, um sobrado cheio de delícias ali quase ao lado da casa dele.

e este foi só um dos tantos 'um dia qualquer na cada de otávio'. vivemos juntos muitos outros, em cafés da manhã de sábado no jardim, sessões de reggaes e outros sons que só ele tem, manhãs de trabalho regadas a chá, celebrações, ensaios e encontros de quinta... e é isso que nos dá saudade agora.

é isso aí, doc,
fá lemos...

abrax,
senhor cumpadi,

dona cumadi
e seus pequeninos




quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A bandida, o príncipe e a bailarina


O carnaval já vai longe, mas não podemos deixar de registrar o primeiro encontro de pedro & clarisse com a bandida. para quem não é iniciado no assunto, a bandida é uma bandinha de carnaval que nasceu na contramão das folias fabricadas. Com seus metais e uma galera pequena indo atrás das marchinhas pelo centro da cidade, começou a ser a musa do carnaval de rua há uns 10 anos. 

A banda tem por símbolo uma mulher liberadíssima, representada por uma grande boneca, obra da artista plástica marlene barros, um luxo só que ganhou a admiração especial das crianças. em suas fantasias de piratas, princesas, havaianas e malandros, os pequenos tomaram conta da folia e viraram fieis seguidores da banda.



O caso é que neste ano da graça de 2010 a bandida saiu do centro e foi tocar em outra freguesia. partiu para a avenida litorânea, na praia de são marcos, templo do carnaval oficial com seus axés e trios. a velha guarda não ficou lá muito atraída pelo novo endereço e foi atrás de outros carnavais.

E então os velhos bandidos maestros da banda atenderam aos apelos dos paralelepípedos e fizeram um revival dos bons tempos da bandida na fonte do ribeirão. da concentração diante das carrancas da fonte, a banda seguiu até o laborarte, centro de arte onde todo ano é realizado o tradicional carnaval de segunda.



Nem é preciso dizer que a bailarina e o príncipe árabe adoraram o carnaval de rua da cidade. mas eu digo. e mostro!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

história de passarinho


dia desses aninha descobriu um ninho de rolinha no telhado do quintal. mais que isso, descobriu que havia lá dentro um filhote, para quem a mamãe rolinha dispensava os maiores cuidados.

mas qual não foi a surpresa de aninha ao ver, na lavanderia, o filhotinho caminhando meio torto (terá caído do ninho o anjo cinzento e tão frágil?). logo sua mamãe veio tomar conta da cria. ana tratou de espalhar pelo chão flocos de milho para alimentar o pequenino passarinho. o banquete também serviu à mamãe, que o visitou várias vezes durante aquele dia. ao lado da máquina de lavar, os dois se reconheciam e trocavam carinhos. e nós, cúmplices da história que eles contavam, cuidávamos de não fazer barulho e andar a passos lentos, sem nos aproximarmos muito, para não desfazer a cena.

a certa hora da tarde, ana se impacientou com a aflição que julgou viver o pequeno pássaro e o pegou nas mãos, com todo o cuidado, para levá-lo a um galho seguro do pé de ata, logo ali perto. sua ideia era dar ao filhote a chance de aprender a voar em um ambiente mais próximo de sua natureza. no meio do caminho, mamãe rolinha a surpreendeu. e como toda mãe, defendeu sua cria tentanto atacar ana. ora, o que essa "gigante" quer com meu filhote? ana entendeu de imediato a angústia da mãe - que de pássaro virou ali mesmo uma pequena onça - e delicadamente colocou o passarinho ao pé da árvore.

ficaram ali um bom tempo, tempo suficiente para que nós nos esquecêssemos deles. até que hoje, meio da manhã, enquanto ana levava pedro para o banho no chuveiro de fora da casa, a história se fez diante de nossos olhos. e só vimos porque de alguma maneira os olhos de ana viram e registraram o exato momento em que nosso bichinho ensaiou seu primeiro voo. numa fração de segundos ela nos avisou e também pude ver o pequeno trajeto entre o pé de ata e o telhado onde foi feito o ninho. cerca de 5 metros debaixo do azul de um dia azul da ilha. impossível registrar em máquina a beleza da performance, entre desajeitada e perfeita. como os primeiros passos que pedro e clarisse ensaiaram um dia pela casa, pernas tortas e uma fralda fofa para amortecer os tombos.

um voo rápido e ao mesmo tempo lento. lindo rastro de luz silencioso. beleza de presente para um dia inteiro, uma vida toda para lembrar daquela manhã qualquer num dia de fevereiro em que o nosso passarinho criou asas.

cansado, ficou ali no telhado, como quem experimenta a primeira paisagem de sua vida de pássaro. mamãe ao lado, entre vigilante e orgulhosa. e eu corri para pegar a câmera e registrar, cerimoniosamente, respeitosamente, sem querer perturbar a ternura de pássaro que tinha diante dos olhos.

a cena do voo registrei para sempre no filme da retina. o que tenho para mostrar aqui é o momento de descanso após um grande, talvez o maior esforço deste pequeno pássaro que, acredito, vá fazer morada entre o nosso telhado e o pé de ata. ele e sua mãe juntos, observando o mundo. ele, pequenino com seu bico longo que exibe como uma espada de aço luminoso contra o sol. ela, toda mãe em seu corpo macio que se oferece para o carinho e o aconchego.

nem sei se poderei reconhecê-lo daqui a pouco, quando não for mais tão pequenino. o que não será problema. assim, sempre que olharmos uma rolinha entre nós pensaremos que aquela é o nosso pequeno pássaro cinza que nesta manhã fez um voo azul e traçou uma linha meio torta e bamba, uma linha amarelo ouro fazendo contraste com o verde da hera que pinta o muro do nosso quintal.

agora o dia segue e nosso passarinho talvez voe por aí enquanto conto sua história. e penso agora que, embora eu o tenha preso nas imagens que roubei ali no telhado, ele voa além de mim e de nós e, livre, desenha outras linhas pelo céu, fazendo arco-íris de cores que minha máquinha jamais poderá captar.

agora só me resta uma palavra para encerrar esta história da rolinha que nasceu entre nós:

obrigada!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Belle Epoque - Celso Borges e os Restos Inúteis






Celso lançou o livro novo no dia 4, uma quinta-feira, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho. A foto é do show, depois da sessão de autógrafos, dentro do Cine Praia Grande. Com ele e Reuben (guitarra), Bruno (baixo), Lucap (violão e efeitos sonoros, além do vídeo na tela grande) e Grolli (bateria).

Hall do Odylo lotado. Cinema idem. Teve gente que nem conseguiu entrar. Calor imenso. Mas quem ficou, mesmo suado, saiu de alma lavada. As palavras foram ditas. A música aconteceu. Edição única. O guitarrista já voltou pra Sampa. Há fotos, imagens, registros sonoros. Mas nada é maior do que ter visto ali. E eu vi. Eu e mais uns cem. E só.

Todo e qualquer falar é pouco. Dizer nem vale. Só quem viu, sabe. Só quem tava lá provou Belle Epoque no banquete de Celso e os restos inúteis. O que precisa ter utilidade é garfo, faca, colher... Poesia, música, cinema são coisas inúteis. Inutilidades de outra real grandeza. De outra real necessidade.

O livro tá na rua. No Poeme-se (Praia Grande), na Vozes e na Athenas.
Também pelo email cbpoema@uol.com.br
Poemas de Celso Borges e projeto gráfico de Andréa Pedro.

Uma palhinha:

VEXAME

A luz ilumina o mágico no centro do palco
O público atento espera a surpresa de sempre
E prepara o aplauso
O tempo passa e o mágico sua sob o susto do inesperado
O silêncio quase eterno denuncia o constrangimento
O coelho não sai da cartola

domingo, 3 de janeiro de 2010

feliz ano novo!!!



nossa, o ano já virou! estamos em 2010. foi rápido, né? sei, sabemos todos, é sempre assim, parece que foi ontem, e quando vamos ver, já se foram os brindes de champanhe, os abraços, as ondas, a grande ceia e todos os rituais e simpatias. este ano experimentamos o da romã. separar seis sementes e delas guardar  três, depois de sugarmos o gosto da fruta e atirarmos para longe as outras três que, reza a lenda, seriam as coisas ruins do ano que findou. as minhas três vou guardar na carteira, pra dar sorte, fartura e trazer mais dinheiro. vai que dá certo, né?



pensei, antes de o ano virar, de resumir as notícias desse nosso primeiro semestre da volta à ilha em um post retrospectiva, um painel de fotos-legenda com os principais fatos desse período. cheguei a listá-los na cabeça. a casa tomada (o dia da mudança em sampa), a casa tomada 2 (a arrumação da casa aqui na ilha), a festinha de casa nova, o aniversário do pedrinho no sítio do pipacau amarelo da vovó geninha... e por aí vai.


tô com a mesa posta pro café da tarde e já é noite enquanto escrevo aqui. hoje foi dia de caranguejada e depois do banquete, o tempo nublado, dormimos todo o resto de tarde. portanto acho que hoje vou só anunciar a retrospectiva, pois acho que não dará tempo de fazer o post planejado. mas o farei, isso prometo. não sei exatamente quando.


não, não sou blogueira profissional. não somos. pelo visto, talvez o pedro, que começa a se afinar com jogos nos computadores, venha a ser um veloz usuário das tecnologias. enquanto isso eu e o poeta vamos no pacote básico, só para suprir as necessidades mais urgentes. esta janela da ilha está na categoria dos luxos aos quais nos permitimos em 2009.


ano de mudança. nossa grande aventura de voltar pra casa. nem tão grande assim, pois que a cada dia vemos tudo com uma calma que nem imaginávamos. tudo simples. as coisas ficando em seus lugares. a alma em paz. nós juntos e a alegria espalhada pela casa, como era lá. da casinha de bonecas para a casa da lagoa...


clarisse ficou pra dormir na casa da vó e da dinda. pedro e cb arriscam uma partida de senha, jogo de tabuleiro. há música rolando. há sempre uma trilha por aqui, para que os movimentos mais simples e rotineiros sejam como rituais. e funciona. sempre lembro dos beatles em manhãs de sábado, na hora do café da manhã. ou de uns rocks pesados à hora do almoço da semana, para meu desespero... minha avaliação é que o tipo de som deixa as crianças muito agitadas, o que complica o andamento do dia. muitas vezes é rabugice minha.


pra este ano que começa, deixo aqui nossos votos de felicidade e fé na vida - que é boa que dói! e peço emprestada, ainda uma vez, a canção do kleber albuquerque, isopor, que eu adoro, e que diz coisas de se dizer no aniversário e também nos primeiros dias de um ano. porque fala em desejos que temos para as pessoas que amamos e porque acreditamos que ela seja como uma senha, um passaporte, um bônus de alegria para cada dia deste ano que começa. um presente que não envelhece nunca:


'Que a luz da lua escorra
Pela pele, pelos pelos
E que raios de sol embaracem seus cabelos
Que a vida lhe dê muita saliva
Pra lamber sonho em carne viva
Que seu riso não tenha o mínimo pudor
Que os ventos soprem sempre a seu favor
Que você encontra a cama feita, a mesa farta
A casa em festa
Que a boa estrela grude no meio de sua testa
E que o mal tenha paredes de isopor


Tudo de bom'

* junto com a canção vai o nosso abraço e o nosso carinho.