terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

história de passarinho


dia desses aninha descobriu um ninho de rolinha no telhado do quintal. mais que isso, descobriu que havia lá dentro um filhote, para quem a mamãe rolinha dispensava os maiores cuidados.

mas qual não foi a surpresa de aninha ao ver, na lavanderia, o filhotinho caminhando meio torto (terá caído do ninho o anjo cinzento e tão frágil?). logo sua mamãe veio tomar conta da cria. ana tratou de espalhar pelo chão flocos de milho para alimentar o pequenino passarinho. o banquete também serviu à mamãe, que o visitou várias vezes durante aquele dia. ao lado da máquina de lavar, os dois se reconheciam e trocavam carinhos. e nós, cúmplices da história que eles contavam, cuidávamos de não fazer barulho e andar a passos lentos, sem nos aproximarmos muito, para não desfazer a cena.

a certa hora da tarde, ana se impacientou com a aflição que julgou viver o pequeno pássaro e o pegou nas mãos, com todo o cuidado, para levá-lo a um galho seguro do pé de ata, logo ali perto. sua ideia era dar ao filhote a chance de aprender a voar em um ambiente mais próximo de sua natureza. no meio do caminho, mamãe rolinha a surpreendeu. e como toda mãe, defendeu sua cria tentanto atacar ana. ora, o que essa "gigante" quer com meu filhote? ana entendeu de imediato a angústia da mãe - que de pássaro virou ali mesmo uma pequena onça - e delicadamente colocou o passarinho ao pé da árvore.

ficaram ali um bom tempo, tempo suficiente para que nós nos esquecêssemos deles. até que hoje, meio da manhã, enquanto ana levava pedro para o banho no chuveiro de fora da casa, a história se fez diante de nossos olhos. e só vimos porque de alguma maneira os olhos de ana viram e registraram o exato momento em que nosso bichinho ensaiou seu primeiro voo. numa fração de segundos ela nos avisou e também pude ver o pequeno trajeto entre o pé de ata e o telhado onde foi feito o ninho. cerca de 5 metros debaixo do azul de um dia azul da ilha. impossível registrar em máquina a beleza da performance, entre desajeitada e perfeita. como os primeiros passos que pedro e clarisse ensaiaram um dia pela casa, pernas tortas e uma fralda fofa para amortecer os tombos.

um voo rápido e ao mesmo tempo lento. lindo rastro de luz silencioso. beleza de presente para um dia inteiro, uma vida toda para lembrar daquela manhã qualquer num dia de fevereiro em que o nosso passarinho criou asas.

cansado, ficou ali no telhado, como quem experimenta a primeira paisagem de sua vida de pássaro. mamãe ao lado, entre vigilante e orgulhosa. e eu corri para pegar a câmera e registrar, cerimoniosamente, respeitosamente, sem querer perturbar a ternura de pássaro que tinha diante dos olhos.

a cena do voo registrei para sempre no filme da retina. o que tenho para mostrar aqui é o momento de descanso após um grande, talvez o maior esforço deste pequeno pássaro que, acredito, vá fazer morada entre o nosso telhado e o pé de ata. ele e sua mãe juntos, observando o mundo. ele, pequenino com seu bico longo que exibe como uma espada de aço luminoso contra o sol. ela, toda mãe em seu corpo macio que se oferece para o carinho e o aconchego.

nem sei se poderei reconhecê-lo daqui a pouco, quando não for mais tão pequenino. o que não será problema. assim, sempre que olharmos uma rolinha entre nós pensaremos que aquela é o nosso pequeno pássaro cinza que nesta manhã fez um voo azul e traçou uma linha meio torta e bamba, uma linha amarelo ouro fazendo contraste com o verde da hera que pinta o muro do nosso quintal.

agora o dia segue e nosso passarinho talvez voe por aí enquanto conto sua história. e penso agora que, embora eu o tenha preso nas imagens que roubei ali no telhado, ele voa além de mim e de nós e, livre, desenha outras linhas pelo céu, fazendo arco-íris de cores que minha máquinha jamais poderá captar.

agora só me resta uma palavra para encerrar esta história da rolinha que nasceu entre nós:

obrigada!

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