segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A memória não basta

Tavalá tavali zanzando na internet, fuçando facebook, checando emails, quando recebo uma mensagem do blog beatrice encaminhando link de um site americano com textos de Allen Morrison e fotos contando a história dos bondes de São Luís, do final do século 19 até os anos 50, 60. Trinta fotos, coloridas e em preto e branco, com detalhes das linhas e das ruas por onde circulavam. Meus olhos vão redescobrindo a cidade que vi na infância. Na foto 17: pah! O clique mostra um bonde descendo a rua da Paz, perto da igreja de São João, em frente à casa onde morei durante 23 anos. Não tem como não ser. Oh minha musa mnemosine*, não me traias agora! Ei, tu, que me lês, não deixe de olhar a foto comigo.




Atrás do bonde, a morada inteira de dr. Genésio Rego, e ao lado, um fiapo de outra, três centímetros de foto apenas, a parede é marrom. Mas como, se a casa de que lembro tinha pastilhas pequenas, de cor amarela, branca e lilás? Vejo que a foto é de 1960, eu tinha um ano de idade. Tenho certeza de que é a casa, pelas curvas do telhado e por aquela espécie de cone de cimento no alto. Ei, tu, vê de novo, nunca mais vi aquilo em casa nenhuma. Só no meu segundo livro de poemas, No Instante da Cidade, quando João Ewerton, ilustrador e amigo, desenhou a morada de frente, única imagem, além dessa que vejo agora. Aliás, que quase vejo, porque o fotógrafo clicou um segundo depois que o bonde passou por ela, levando 29 pessoas rua da Paz abaixo, rumo da praça João Lisboa.

Passo mensagem pra meus irmãos Goretti, Tereza, Carlos e Amélia. Quero ter certeza de que é a casa da rua da paz, 350, telefone 1845. Teca responde: ‘tem tudo pra ser’, depois de procurar em vão o nome da rua na placa. ‘Já se chamava Cel Colares Moreira?’, ela me pergunta. Gó é mais precisa: ‘É nossa casa, sim, tinha parede marrom antes da reforma, eu me lembro’. A certeza (como, se eu já sabia?) me atira outro pah no peito.

Oh musa Mnemosine, não me traias! Naquela hora da foto, que horas seriam? A sombra no chão (talvez reflexo da luz do sol por detrás da Faculdade de Farmácia, que ficava X com a nossa casa) revela que é impossível ser meio-dia, por exemplo. Parece mais um sol de quase final de tarde, 4, 5 horas. Mas como, com aquele imenso céu azul em cima de tudo? Seriam 9 horas? Impossível, o sol nascia do outro lado. Quem estava ali? O que fazíamos naquela hora? Com um ano de idade, eu dormia na rede? Fátima tinha 8 anos; Antonio José, 6; Goretti, 5: Amélia, 4; Carlos, 2, e Tereza só nasceria dois anos depois, em setembro de 1962. É quase certo que todos estavam em casa, fora papai, no trabalho.

Mnemosine, me conduza pela casa... Vem comigo, leitor amigo! Rima e afeto. Tome como referência a casa vizinha: uma porta principal com duas janelas de cada lado. A nossa também é uma morada inteira. – Pode entrar! Abro a porta, um pequeno corredor nos leva à sala principal. À direita e esquerda, dois quartos grandes. À direita, o quarto dos meninos, contíguo ao de mamãe e papai; à esquerda, o de vovô, que morava no Rio, e a sala de piano com duas grandes estantes e uma escrivaninha. Depois da sala, um corredor que vai dar na cozinha, sala de jantar e banheiros. Mas antes, à direita desse corredor, o quarto das meninas e logo depois o das empregadas. À esquerda, um quintal com duas caramboleiras, abacateiro, galinheiro, tanque e um pequeno banheiro. Ali morei de 1959 a 1983, quando nos mudamos para a casa do Olho d’Água, antigo sítio da infância. Volto à foto e fico querendo esticá-la pra poder ver a casa inteira. Desculpe, my sweet mnemosine, quero mais que a memória.

*Mnemosine – a deusa grega da memória

Por CB

sábado, 22 de outubro de 2011

diário de outubro




é sábado, fim de outubro e faz sol. na janela da ilha o dia é azul depois de uma surpresa de grande chuva fora de hora, com dia branco no meio da semana, água lavando a cidade e levando o calor pra longe. ruas virando rio, mar sem onda, céu de nuvens.

agora já passou. hoje pode até dar praia ou só preguiça mesmo. as roupas vão secar e o vento vai varrer folhas secas da mangueira por toda a varanda como vem fazendo desde setembro. enquanto isso, nossas meninas jabutis passeiam sob a sombra da ateira carregadinha. sim, frutas do conde amadurecendo e as rolinhas alvoroçadas para bicarem antes de nós. tem outro pé de ata na parte da frente do jardim, carregado de filhinhos pra jesus criar também.

pedro na aula de astronomia, estudando astros e sóis. clarisse inventando valsa pra barbie bailarina dançar ou brincando com miniaturas dos personagens da turma da mônica que integram novo álbum de figurinhas e virou a nova febre infantil, os gogo's, classificados pelo fabricante como 'as criaturinhas mais piradas do universo'. confissão de mãe: caí de amores pelo chico bento gogo.

outra febre é o ressuscitado bay blade, nada mais que um pião metido a besta, que ganharam do vovô - os dois últimos da prateleira das lojas americanas. movido por uma espécie de fio (tira de plástico), tomou o lugar da pelada com tampinha de água mineral nos intervalos de aula da escola. na hora da saída meninos e meninas se amontoam em volta de uma pequena arena disputando campeonatos sem fim. e já não há quem encontre um em nenhuma loja de brinquedos da cidade.

aninha passando roupas exala cheirinho de lavanda pelo ar. eu aqui, registrando histórias dos dias de nós, e celso lá longe, manda notícias por telefone. e agora é hora da minha missão chalenger no espaço, pra buscar pedro na aula. vai ver que conseguiu viajar pela via láctea a bordo do bay blade, que antes de ser pião, bem que parece um disco voador!

p.s.: mas não há febre, onda ou moda que faça dom pedrito abandonar sua paixão maior. dia 16 completou 9 anos e para todo mundo que pedia sugestão de presente, mandava dizer que queria uma bola de futebol. resultado: ganhou quatro! e faz questão de brincar com todas, para desespero da mamãe aqui, tentando poupar vasos de flores e plantas que de vez em quando tombam sob o peso de seus gols.

* na foto, pedro & clarisse brincam no mar de tutoia.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Amigas para sempre!




Essa imagem tem gosto de mar e cheiro de dias azuis. Encontro de brindes e alegrias mil, sem compromissos, recados, obrigações, agenda, retorno, pressa ... Uma janela no meio da vida em que conseguimos sair do protocolo um tantinho e, como peraltice de estudante, gazeamos aula juntas. 

Brindamos a vida, comemos lagosta, batemos perna pelas ruas [com direito a comprinhas, é lógico!], andamos na areia, fizemos massagem relaxante, visitamos expoições de arte, fomos ao cinema e à feirinha de artesanato, conversamos e rimos até o sono chegar, acordamos sem hora marcada...

Fomos mais meninas e menos mães-mulheres-profissionais. Fomos livres feito pinto no lixo. Mãe, irmãs e filhas. Abrimos a janela da ilha e nos demos um tempinho só pra nós.

Tudo em quatro vezes sem juros! Ao mesmo tempo: ou seja: onde uma estava, lá estavam as outras três. E vice-versa.

Ano que vem vai ter bis, ah se vai!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Saudade da minha janela

Nossa! Quanto tempo! Eu bem que avisei (avisei mais a mim, na verdade!) sobre a minha falta de hábito e jogo de cintura com blogs e coisas deste mundinho virtual. Passei tanto tempo sem voltar aqui que precisei redefinir senha (coisa burocrática!) para poder entrar e poder postar novamente. Essas palavrinhas (palavrões!) que vamos incorporando...

Pois, é, deu saudade! Se tenho o que dizer? Nem sei... São tantas notícias atrasadas... Olhando os posts anteriores, vi a foto da nossa mangueira. Continua linda, mas nunca mais vieram as mangas. Foram só algumas e pronto, a árvore parou e não quis mais. Charme? Se ela tem pena de nos dar seus frutos, pelo menos o mesmo não acontece com sua sombra. É ela quem nos livra do calor imenso dos nossos dias azuis, deixando o vento varrer as folhas de um outono que por aqui nunca chega.

As crianças vão crescendo e é cada vez mais difícil domá-las como queríamos. E ao mesmo tempo nas as queremos domadas. Só queremos um pouco de disciplina naquelas coisinhas básicas do tipo acordar - escovar os dentes - tomar café - estudar - não deixar brinquedos e todas as coisas espalhadas-arrumar a mochila - tomar banho na hora certa - etc e tal.

Já é setembro, primavera, o fim do ano tá logo ali, outubro e Pedro já terá 9 anos... a vida correndo e eu já tendo que correr daqui pra dar um pulo no supermercado antes de voltar ao trabalho...

Mas no meio disso, a ponte, o barco de vela azul, imaginação de estar ali e não no carro, vontade de mar, de dançar e, no fim das contas, vontade mesmo é de que o dia renda e eu consiga fazer tudo.

Tentarei voltar pra contar histórias com mais calma,

enquanto isso a tarde arde,
vou-me,

beijos,

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

janela da ilha


fui procurar no Google o link para este meu blog (que blogueira eu sou, vejam só!) e encontrei este quadro  batizado de janela da ilha. o autor é o jorge eduardo, que
utilizou óleo sobre madeira (61x112). a obra é de 1992, tempo eu que eu nem pensava
em sair da ilha.


agora cá estou, da minha janela, olhando a janela do eduardo.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A pau a pedra a fogo a pique


Revisitando Leminski depois de muitos anos, no livro 'A pau a pedra a fogo a pique: dez estudos sobre a obra de Paulo Leminiski' (org. Marcelo Sandmann), achei um poema lindo, que não lembro de ter lido:



    Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
    Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
    Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
    assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
    Um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
    Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
    Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
    Rimabaud se mandou pra África,
Remingway de miragens.
    Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
    Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.


(o poema se chama 'm, de memória', do livro 'Distraídos venceremos')

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

volta às aulas


a semana começou agitada em razão da volta às aulas. clarisse feliz da vida porque agora está novamente com pedro na mesma escola. e nós comemorando o fato de os dois estarem novamente no mesmo horário e à tarde.

a experiência do ano passado - de ter cada um em um turno porque não teve outro jeito - não deve se repetir. ficávamos reféns de idas e vindas à escola durante o dia todo. agora não temos mais de madrugar e a tarde é toda livre para as outras coisas da vida. não é à toa que só agora tenho conseguido voltar a dar as caras nesta janela...

adorei encapar os livros novos, sentir o cheirinho deles e curtir com as crianças toda a novidade desse recomeçar. por outro lado, não canso de lamentar o quanto as férias deles são curtas. nossas férias de fim de ano duravam três meses imensos e só voltávamos ao colégio depois do carnaval. eles, no entanto, parecem nem se importar, pois já estavam eufóricos para começar tudo de novo. 

lição de casa: hoje pedro trouxe um texto da clarice lispector para interpretar. o narrador é o cão ulisses, fiel companheiro da escritora, que se dizia muito bonito, sabido e com olhos dourados, parecidos com olhos de gente. já clarisse (a minha), anda encantada com os primeiros treinos para escrever com letra cursiva.

pra mim, o espetáculo do crescimento nada tem a ver com índices econômicos. é muito maior e mais bonito. é acompanhar pedro & clarisse dia a dia, mês a mês, ano a ano, na platéia, na coxia, no palco e na vida. aplaudindo, torcendo, gritando bravo! bravo! bravíssimo!!!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

quase um ano em um post


... e tanta coisa aconteceu, tantas vezes pensei em registrar aqui histórias de passarinhos, das flores que plantamos em forma de mandala no jardim, do aniversário do pedro com tema do santos, do livro de contos de animais que pedrito autografou na escola, do pé de ata que floriu com vontade e deu frutos doces, do espetáculo em que clarisse se transformou em navegadora dos sete mares, das comidinhas deliciosas na varanda, dos cafés de fim de tarde, dos encontros, do amor imenso que enche a nossa casa...

... da saudade de celsinho quando passou três meses no recife, da surpresa linda que ele fez vindo no dia dos pais, das surpresas que fizemos para esperá-lo em outubro, da tristeza das eleições em nossa terrinha, dos almoços de família, da incrível comilança nas festas de fim de ano, dos nossos dias bonitos na varanda - sentindo o vento no rosto e na dança das redes...

... dos livros e dos discos que passaram na mão, dos sumiços de adélia e cecília pelo jardim, dos filmes em casa com pipoca e sucos incríveis inventados pela santa ana no liquidificador, da chegada do billy the kid - o mimo da fiat que nos seduziu, do pulo que demos em sampa pra aumentar o estoque de biotônico e abraçar amigos amados...

essas lembranças vão chegando fora de ordem, como um redemunho do guimarães, vento passando ligeiro, pombo correio atrasado, só pra dizer que o ano foi bonito, cheio de histórias que escrevemos na alma e que deixei de registrar aqui, conforme pretendia. um ano também  com seu quinhão de dores, testas franzidas, canseira braba de criar e educar duas pessoinhas cheias de opinião enquanto o carteiro só entrega contas, nunca mais cartas ou postais. 

e de todas as notícias e histórias nossas, a que mais se impõe como marco de um fim de período/começar de outro é a boa nova da nossa mangueira que, finalmente, feito mulher pudica que finalmente deixa a saia livre para olhos curiosos, agora exibe os primeiros cachos de frutas para que a chuva dê jeito de amadurecer. de dentro da rede debaixo da sombra dela, falei a clarisse que essa árvore será nossa eterna companheira e que um dia, quando eu já for vovó, vou contar aos netos muitas histórias das primeiras mangas e dos sucos, musses e doces que vamos fazer com elas.

agora, enquanto escrevo aqui da varanda, penso comigo que essa mangueira, testemunha fiel de todos os nossos dias, viverá além de nós e alimentará os novos frutos que virão do nosso sangue, assim como foi no princípio e por muitos e muitos anos, amém!